(*)
Do Padre Francisco de Gouveia para o Padre Diogo Mirão (i)
1564
Depois de partida a outra gente no batel que se fêz em Pambalungo, ficámos aqui quatro pessoas cristãs das que viemos, só o senhor Paulo Dias e eu e dois moços, e passámos muitos trabalhos, porque, além de nos não darem muitas vezes nada, nos espancam muitas vezes, pelo que a gente nos foge e deixa sós, e dizer isto a el-rei não muda nada, pelo que nós sofremos acomodando-nos com vender secretamente esta pobreza que temos, farrapos, coisas velhas, a fidalgos da terra a troco de mantimento. — Na cristandade se não faz nada.
Os reis grandes que são nomeados em Angola são Manicongo e Cutange e têm seus reis negros. Os fidalgos e pessoas nobres com que falamos não dão pelas coisas de Deus e o rei vemos mui poucas vezes e, quando lhe falamos nas coisas da fé, faz que não entende e, depois de importunado, diz que êle vira a aprender, e isto cheio de riso e zombando de nós.
Nosso amo, que se chama Gongacinza, me diz que el-rei ainda há pouco que começou a reinar e que por isso não dá ainda pelo que lhe dizemos, mas que tempo virá em que êle me mande chamar para o ensinar. Isto faz para nos deter, parecendo-lhe que enquanto aqui estivermos virão navios de portugueses aos portos com fazenda de que tirará proveito. — Outro dia diz que somos escravos de el-rei e que vamos fazer seu serviço, como algumas vezes fazemos, como de coser-lhe capas e outros vestidos de Portugal e brear almadias em que el-rei se lava e outras coisas semelhantes; e nisto passamos a vida.
Neste ano de sessenta e quatro se queimou a cidade de Angoleme, onde el-rei então residia e dez vezes se pôs o fogo em diversas vezes, fazendo sempre grande estrago em casas, fazenda e gente, mas da ultima ardeu sem ficar casa, de maneira que foi necessário levantar-se el-rei para daí a duas léguas a outra sua povoação, e daí a poucos dias se veio a Cabaça, metrópole de seus reinos, onde agora reside e nos com êle, fazendo aqui nova cidade e em novo sitio; foi a coisa mais espantosa o fogo de Angoleme, que eu nunca vi nem os negros se acordam de tal, porque uma cêrca tamanha como os muros da cidade de Évora, com cinco ou seis mil casas de palha e madeira muito grossa e muros de paus altos e grossos, tecidos de palha e canas, assim por todas as ruas da cidade ateado tudo em um estranho e vivo fogo por todas as partes com mui tempestuoso vento, era o mais medonho estrondo que se podia imaginar. — Começou com uma hora da noite e acabou uma ou duas horas ante-manhã pouco mais ou menos, deixando tudo arrazado e feito em cinza e carvão; e, conquanto as gentes que acudiam a êste fogo serem perto de mil pessoas, que logo se ajuntaram ao tanger dos seus chocalhos para arrecadar a fazenda de el-rei, se queimou infinidade, assim da terra como da de Portugal. — Era tão bravo êste fogo, que, nas mui altas palmeiras de que a cidade estava toda cheia, andavam tão fortes as línguas dêle, que com serem verdes ardiam como tochas e, como eram altas e cheias de rama, tomavam maior vento, pelo que faziam maior estrondo, e toda a terra que descobríamos com a vista estava tão clara como se fora ao meio-dia, sendo tão alta noite. Neste fogo morreu muita gente queimada que se não pode salvar, outra que se mandou queimar e lançar ao mesmo fogo para o aplacarem, que bem pouco lhe aproveitou, porque o Diabo assim o costuma com êles e com todos os seus servos, que é obrigá-los a fazer-lhe muitos serviços e maldades que lhes ordena, sem fazer por êles nenhuma coisa das que lhe pedem, antes tudo ao contrário. — Fêz, como digo, muito espanto êste novo fogo em toda a gente da terra e o que mais espanto fêz foi estarem as nossas casas pegadas com os muros de el-rei, não lhes fazendo nenhuma das vezes o fogo nada, antes vinha sempre morrer na nossa testada como milagrosa, e que ninguém o vira que o não atribuísse a grande milagre.
E outra coisa que nao fêz pouco espanto foi verem nosso fato na rua sem guarda e não se furtar coisa alguma e o seu com muitas guardas se roubou quasi todo, coisa que nêles causou mui grande admiração, e falava toda a terra nisto. Nós atribuímos a especial providência e misericórdia de Deus.
Todos nos diziam que a igreja e coisas que de Deus nela tínhamos nos guardavam e por isso folgavam muitos de nos ter por vizinhos, por se verem livres do fogo e crer que por isso foram livres, como êles também crêem, por estarem a par da igreja, principalmente um gentio fidalgo, parente de el-rei, bem valoroso e capitão-mór dêste reino.
—Ao primeiro de Novembro de mil quinhentos e sessenta e quatro.
- - - * - - -
A dureza do cativeiro aumenta. Os portugueses são espancados com frequência e, para não morrerem de fome, sujeitam-se a “vender secretamante esta pobreza que temos, farrapos, coisas velhas»!
Na propagação da fé cristã não havia também quaisquer progressos: o rei, ou fazia que não os entendia ou francamente zombava das crenças dos cativos, caídos sob as garras do feiticeiro-mor Gongacinza, que os ia enganando conforme lhe convinha.
Todavia os portugueses já tinham igreja em Angoleme, como se vê da parte final do documento.
A carta dá a indicação dos reinos limítrofes de Angola:
Em face do grande incêndio que quasi por completo destruiu Angoleme, residência do rei, êste mudou para outra povoação, a duas léguas de distancia. Daí deslocou-se para Cabaça(ii), metrópole de seus reinos «onde agora reside e nós com êle, fazendo aqui nova cidade e em novo sítio».
A igreja portuguesa de Angoleme escapara do incêndio. (iii)
(i) Provisão de 10 de setembro de i555 expedida a Diogo de Teive, mandava entregar ao Provincial i da Companhia nestes reinos, que era Diogo de Mirão, o Colégio das Artes, para que os Padres dirigissem e lessem as Artes e tudo o mais que lessem os mestres franceses».—Historia da Literatura Portuguesa, e Mendes dos Remédios, pag. 328 (5ª edição).
(ii) Nbanza-a-Cabaga, segunda côrte ou segunda banza — Da Mina ao Cabo Negro, L. Cordeiro, pag. 10, nota. Ver outra derivaçao em Lopes de Lima, intr., pag. ix, nota 4ª.
(iii) do livro Relações de Angola (Primórdios da Ocupação Portuguesa) – Pertencentes ao Colégio dos Padres da Companhia, de Luanda, e transcritas no Códice existente na Biblioteca Nacional de Paris. Prefaciadas, comentadas e anotadas por Gastão de Sousa Dias. Coimbra, Imprensa da Universidade. 1934.
Francisco Gomes de Amorim
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… e cousas tocantes ao Reino, e
conquista
CAPITULO PRIMEIRO. INFORMAÇÃO DESTE REYNO E MINAS
O reyno dos Ambundos vulgarmente dito de Angola se chama nas cartas de mercês, e provisões dos Reys de Purtugal desdo tempo delrey dom Sebastião a esta parte novo Reyno de Sebaste na conquista de Ethiopia (2). Está em nove grãos na Etiópia meridional norte sul entre o de Congo e o de Benguella, leste oeste com Pernambuco na costa do Brasil. Os nomes das províncias mais nomeadas, que em si agora encerra são:
A liamba do rio de Coanza para a linha equinoxial. A Quiçama da banda do sul; o Mosseque, Dongo aonde está a cidade de Cabaça em que vive o Rey, o Are, o Ungo, e outras (3) Da villa de S. Paulo até Cabaça avera sesenta legoas (4). Todo o Reyno ao comprido
(tomando por arraya Caçanze (5) que está oito da mesma villa) terá oitenta e de largo na mor distancia dizem que terá outras oitenta.
Algumas partes da costa, e principalmente os lugares que estão ao longo do rio Coanza são doentios, por resão de lagoas e terras apauladas com a vizinhança do rio até a vila da Vitoria em Maçangano que também está cercado do Coanza e Lucalla. Com tudo sustentão os portugueses esta villa ainda que enferma e muito calmosa por estar no meio do Reyno em sitio muito forte, donde com facilidade se acode aos alborotos e novidades dos naturaes entre os lugares marítimos; este morro em que está situada a villa de S. Paulo, cabeça do Reyno, he muito sadio, e de bons ares. O mais do Reyno he fresco e temperado, antes tem exsseço de frio e nenhum de calma especialmente as terras do sertão, posto que também ao longo da costa ha muitas de bons ares, e sadias. A província do Ari e outras vezinhas com caírem mais para o nascente, e perto da linha, no tempo das aguas quando o sol anda sobre nós, he necessário
aos portugueses que nelas se achão andarem bem roupados e chegaremse ao fogo.
Já nos meses de Junho até Setembro que na lingoa chamão o Quicivo quando o sol se aparta de nós para o trópico do norte são insofríveis naquelas províncias os frios, e ventos. A terra de Cambambe da província do Mosseque, aonde estão as minas de prata mais nomeadas he tão temperada que o governador Paulos Dyas (7) a comparava nos ares a Cintra. Andando nela o nosso campo no anno de oitenta e sete com tanta necessidade que se mantinhão só com palmitos, por ser a terra de minas estéril, e falta de mantimentos, nenhum soldado adoeçeo antes andavão tão bem despostos como se andarão em Lisboa com serem novos na terra.
A maior parte deste Reyno he cuberta de grandes palmares donde tirão seu vinho, e azeite em muita quantidade, retalhado com muitos rios caudalozos e ribeiras muito frescas. Em algumas partes pela terra dentro tem larangeiras, e limoeiros, figueiras da terra, e bananeiras. De humas arvores muito grossas e altas a que nos chamamos cabaceiras tirão os naturaes os panos com que se cobrem da cinta para baixo, e em cima põem suas colmeias de que recolhem muito fermoso mel. Ha também inhames, batatas, bredos (8), mangericões pelo campo, beldroegas, jasmins e outras ervas proveitosas. Muitos géneros de ligumes da terra, e as sementes de Portugal em lugares frescos aonde não falta agoa, se dão muito perfeitas.
Ha muita variedade de aves de cores muy aprazíveis. Agueas, patos reaes de grandes cristas, e de tanta carne como hum carneiro, muitas aves de rapina, galinhas do mato, perdizes, galinhas corvaes, guinchos, pelicanos, paios bravos, adens, marrecas, corvos marinhos, outras aves de asas vermelhas a que chamão framengos (9). Entre estas ha huma ave de meãa grandura, de cores parda e branca a que chamão Fune, tem o voar muy sereno, e vão dando huns guinchos mui compassados. Nesta parece que reconhesem as outras superiolidade, como se vee em duas cousas, a primeira que tanto que as outras aves vem, ou ouvem deixadas suas occupações a vão logo acompanhar. A segunda he que ao tempo de fazer o ninho as outras se aiuntão, e lho fazem em arvores altas com muitos e grandes paos. O ninho he comprido obra de vinte palmos, e no cabo delle cria dous filhos.
De animaes ha muitas castas pelo mato. Alifantes, leões, onças, empa-caças (10), que são como vacas, empalangas (11) maiores que bois, zevras como mulas listradas, veados, corças, lobos, gatos dalgalea, lebres, coelhos, porcos espinhos, porcos montezes; nos rios ha grandes cavalos marinhos e lagartos de trinta e quarenta pees.
O pescado, asi do mar como de rios, he muito e sadio. Junto da ilha Loanda da banda do mar, e da terra firme se tomão os peixes seguintes. Pescadas, Imgoados, salmonetes, gorazes, canteiras, maçuços, corvinas, sei" gás, macoas, tainhas, cavalas, mugens, roncadores, pâmpanos, garoupas, chicharros, sardinhas, peixe espinha, peixe coelho, peixe prata, peixe viola, peixe agulha, ostras, briguigões, amejoas, caraguejos, polvos, arraias, tartarugas, botos, pargos, meros, visugos, arenques, barbos e outro muito género de pescado. Ha também em alguns rios hum peixe chamado Angulo que quer dizer porco, a que no Brasil chamão peixe boi (12).
(1) Terá sido escrita em 1594 pelo Padre Pedro, ou Pêro, Rodrigues, natural de Évora, onde se alistou na Companhia de Jesus em 1556, foi um dos mais categorizados jesuítas do século XVI e XVII. Era mestre em Artes, ensinara primeiro letras humanas por cinco anos e outros tantos teologia moral; foi sete anos reitor do colégio do Funchal e outros sete do colégio de Bragança, mais de um ano Visitador de Angola, de 1592 a 1594, e nove anos Provincial da Província do Brasil, onde chegara a 19 de Julho de 1594. Faleceu em Pernambuco a 27 de Dezembro de 1628. No Brasil escreveu, pelo ano de 1606, a Vida do P-' José de Anchieta, que serviu de fonte principal às que depois se publicaram do venerando apóstolo {Annaes da Bibliotheca do Rio de Janeiro, volume XXIX, páginas 181-286). Poucos anos
antes ministrara também ele ao P. Quirino Caxa materiais para outra biografia menor de Anchieta, a qual ficou por largo tempo sepultada nos arquivos. Foi descoberta em mais de um exemplar no ano de 1923; e no de 1934 a deu a lume, prefaciada e anotada, o P.° Serafim Leite.
(2) Paulo Dias de Novais edificou uma ermida de S. Sebastião na vila, depois cidade, de S. Paulo, que fundou em frente da ilha de Luanda, em memória do Rei de Portugal, D. Sebastião, como também deu àquela conquista de África o nome de «novo reino de Sebaste na conquista de Etiópia» em homenagem ao mesmo monarca. Mas em seguida passou esse nome ao esquecimento e ficou o primeiro de Angola. A essa parte do continente africano chamavam também os nossos portugueses Etiópia. nova Etiópia, conquista da Etiópia, e mais designadamente Etiópia meridional ou ocidente; como diziam Etiópia oriental a região do mesmo continente do lado de Moçambique, e a seus negros habitadores davam genericamente o nome de Etíopes. Teles, na sua Historia da Ethiopia, página 6, escreveu: «£ste nome de
Ethiopia he muy geral e comprehende todas aquellas regiões cujos habitadores têm cores pretas, porque a todos estes costumam chamar Ethiopes... ...O mesmo nome tem... tudo o que se estende até ao cabo de Boa Esperança e dobrando este cabo, tudo o que ha de terras até Angola e Cabo Verde, porque a todos os que povoam estas costas e o sertam delias chamam ethiopes e ás terras chamam Ethiopia».
(3) O missionário Diogo da Costa, enumera só três províncias de Angola em carta datada de Luanda a 31 de Maio de 1586: «A primeira chamamos liamba que está entre o Rey [reino?] do Congo e o rio Lucala. A segunda he o Moseque [Mosseque] que está entre ai Lucala e o rio Coanza... A terceira a Guitama [Quissama] que está entre o Coanza e o Reyno de Benguella». Boletim da Sociedade de Geografia, IV, pagina; 382. A província de Are (Ari) fica ao norte de Coanza, e a de Ungo para o sul.
(4) Cabaça ou Cabassa era a corte do rei Angola, a que os indígenas chamavam Dongo, segundo observa Franco, Synopsis Ann,. pág. 63: Urbs regia Dongus dieta ab indigenis, a lusitanis Cabassa. Lopes de Lima, Ensaios sobre a statistica, página XV, nota que o nome Cabassa é «corruptela da palavra Cabanza (capital)». Diz-se agora Pedras Negras de Pungo-Andongo.
(5) Caçanze ou Cassange.
(7) Assim, em vez de Paulo, escrevem outros autores, como Abreu de Brito, Sumario,...; Teles, Chronica, I, 620, e Franco, Imagem da Virtude. II, 460.
(8) Planta herbácea, oriunda de Portugal, que serve para fazer esparregado. Seria bredo?
(9) Framengos, flamengos e flamingos.
(
10) Empacaças ou pacaças, pacassas: mamíferos semelhantes a búfalos.
(11) Empalangas ou empalancas, palancas, do género dos antílopes.
(12) Angulo ou Ongulo, como lhe chama o padre Garcia Simões na carta de 20 de Outubro de 1575. Na língua bunda escreve-se N'gulo. (Porco)
Rio de Janeiro, 4 de Julho de 2011
Francisco Gomes de Amorim
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...
RESUMO BIOGRÁFICO:
Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque. Benguela, Angola, 9.6.1930 - Cambambe, Angola, 30.1.1962). Era casada com o escritor Orlando Albuquerque. Muito nova veio para Lisboa onde concluiu o 7º ano do Liceu. Frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta última. Em Lisboa esteve ligada a algumas das actividades da Casa dos Estudantes do Império. Declamadora, chamou a atenção para os poetas africanos. Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira instituiu o Prémio Alda Lara para poesia. Orlando Albuquerque propôs-se editar-lhe postumamente toda a obra e nesse caminho reuniu e publicou um volume de poesias e um caderno de contos. Colaborou em alguns jornais ou revistas, incluindo a Mensagem (CEI).
(*)
Óscar Ribas, o grande e saudoso mestre, de quem tive o privilégio de ser amigo,
“Dicionário de Regionalismos Angolanos”
Ambaquista, s. m. e f. Natural da região de ambaca. Irón. O que reclama de tudo.
“Os naturais dessa região são inteligentes. Dum relatório de Artur Verdades, publicado no Boletim Oficial de 1 de Dezembro de 1906, extraímos os seguintes períodos:
“O ambaquista, para mim que o observei, é um benemérito, tem sido um desdenhado obreiro da civilização africana, embryonário quanto seja o seu estado em parte dos nossos domínios.
É elle o único missionário que à noite, por essas sanzalas, sentado ao conchego da fogueira conta, com muito phantasia é certo, aos gentios, que o rodeiam e avidamente o escutam, as façanhas dos kakis (soldados portuguezes), e quem lhes fala da grandeza, poderio e explendor de Portugal."
Duma obra que já citámos - As Colónias Portuguesas, de Ernesto e Vasconcelos - transcrevemos também os seguintes trechos, relativamente ao natural de Ambaca:
"O ambaquista, oriundo de uma região onde a acção missionária foi grande e educadora, procura assimilar-se ao branco pelo traje, e nas famílias conserva-se, em tradicção de pães para filhos, a leitura e a escripta. Esta circunstância torna-o um indivíduo superior entre as diversas tríbus, às quaes elle se impõe, captando as boas graças de todos, principalmente dos sobas, em quem impera como conselheiro privativo. É vulgar que certos sobas tenham secretário, o qual munido sempre do seu tinteiro, papel e pena, está constantemente prompto a dirigir mucandas (cartas) ao viajante que passa, ou representações à autoridade. Esse secretário é o ambaquista ladino, manhoso e sophista. Conta-se que tendo os ambaquistas de dirigir ao governo uma representação contra certa autoridade provincial, ao assignal-a se levantou a difficuldade de quem o faria, primeiro, porque nenhum queria figurar na cabeça do rol; adoptaram por isso o alvitre de inscrever as assignaturas em circunferência de círculo, solução que mostra bem a manha de que são dotados." (Castelbranco, História de Angola, p. 34/35, ed. 1932).
"O ambaquista distinguia-se à primeira vista, de qualquer outro indígena, nestas lonjuras - na época em que Ambaca ficava muito longe - pelo tinteiro de chifre e pela pena que trazia ao pescoço.
Com tais artes, cada vez mais aperfeiçoadas e divulgadas entre eles, por serem os mais próximos dos centros de influência, não tardaram em serem disputados por todos os potentados indígenas, que os tomavam como secretários de grande luzimento e prestígio - lugares que eles ocupavam como juristas, intelectuais e Cárdias Diabo.
Em menos de cem anos havia ambaquistas espalhados por todo o Norte da colónia, com a sua pena, o seu tinteiro de chifre, as suas luzes e o ascendente intelectual que lhe dava o poder de comunicarem com o branco, e com os mais que tinham as mesmas artes." (H. Galvão, Outras Terras, Outras Gentes, p. 216, vol.1 ed. 1942).
"Vou dizer uma palavra do typo clássico, extranho, genialismo, do ambaquista. É molde para durar a eternidade inteira, segundo parece. O seu gosto, ou melhor o seu vício, é deitar as unhas a uma caneta e fazer requerimentos em papel sellado, com citações phantasticas da Carta Constitucional, do Código Civil, da Novíssima Reforma Judiciaria. Se tem um envellope d'officio para fechar aquella sua prodigiosa literatura, se tem sobretudo um coto de lacre para sellar a sua peça, para lhe dar a imponência e a consagração que resulta de um timbre, ah! como elle é feliz! O ambaquista compõe os seus trechos de uma maneira absolutamente impossível de definir; é capaz de citar, a propósito de qualquer coisa, a carta orgânica das províncias ultramarinas, os governadores geraes d'Angola, os reis do Congo, a corte do céo, trovoadas, inundações e campanhas. No entanto, atravez d'esses despejos incontinentes, d'essas ejaculações tumultuarias do pensamento, adivinha-se quasi sempre o que quer dizer o auctor na sua estylistica. Ao mesmo tempo o ambaquista é um bohemio; encontra-se em toda a parte, a reler pedaços velhos de jornaes ou folhas avulsas de qualquer livro, a dar sentenças, a escrever coisas, a secretariar os sobas, enfim, a ocupar-se dos destinos dos povos." (D. J. E. de L.Vidal, Por Terras d'Angola, p. 20, ed. 1916).
Rio de Janeiro, 18/04/2011
Francisco Gomes de Amorim
Ontem fui abastecer o carro de gasolina. A empregada que me atendeu era muito morena, quase negra, mas não tinha aquelas feições tão características dos negros.
Perguntei-lhe: "Você donde é?" "Sou de Angola", respondeu-me sem hesitar. "De Luanda?", insisti. "Não, sou da Lunda, do interior, para leste". O seu nome próprio era português, que já esqueci, mas o apelido era Henda. "Você é luena, lá para Vila Luso?", avancei. "Sim, sim, sou luena". "E você ainda fala luena?" "Eu já não falo, mas quando a minha avô me fala em luena, eu entendo."
A moça, ainda bastante nova, perdera o conhecimento activo da sua língua original, mas conservava ainda o conhecimento passivo.
"Como se diz "filho" em luena? "Mona"?", aventurei. A moça abriu-se num sorriso de satisfação: "É sim! "Mona iami", "meu filho". Eu acertara em cheio.
Em quimbundo, a língua do Cuanza Norte (Luanda e Malange), filho diz-se "mona" e faz o plural "ana". [A letra da "Portuguesa", traduzida para quimbundo, começa assim "Ana a kalunga" = "Filhos do mar]. Nesta língua, "meu filho" diz-se "mon'ami". Isto não quer dizer, evidentemente, que o quimbundo e o luena sejam inteligíveis entre si, mas muita coisa deve haver em comum, pois são duas línguas da mesma família, a família linguística bantu.
Quando cheguei a casa fui consultar um livro sobre os luenas que comprei num alfarabista há já bastantes anos, e lá encontrei "muâna" = filho, "iami" meu.
A moça da estação de serviço ficou encantada com o meu conhecimento, por muito pouco e rudimentar que fosse, e despedimo-nos com um aceno amigável de mãos. Fiquei contente.
«Mulher Luena», pintura de Neves de Sousa (*)
O livro referido foi impresso em Lisboa pela Agência Geral do Ultramar em 1954, e foi escrito em 1932 ou 33 pelo Chefe das Circunscrições de Fronteira do Dilolo e do Além-Zambeze. Em anexos mostro o aspecto da capa do livro e uma fotografia do autor, tirada em terra de luenas, junto da lago Dilolo, em 1927, com uma bebé filha do soba local.
E pensar que se essa menina sobreviveu até hoje, terá os seus 85 anos!
O livro tem muitas fotografias, mas de pouca qualidade, e um vocabulário luena-português.
27 de Março de 2011
Joaquim Reis
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