Domingo, 24 de Julho de 2011

“OMENS” SEM “H”

 

 

Espantam-se?
Não se espantem. Lá chegaremos. No Brasil, pelo menos, já se escreve "umidade". Para facilitar? Não parece. A Bahia, felizmente, mantém orgulhosa o seu H (sem o qual seria uma baía qualquer), Itamar Assumpção ainda não perdeu o P e até Adriana Calcanhotto duplicou o T do nome porque fica bonito e porque sim.

Isto de tirar e pôr letras não é bem como fazer lego, embora pareça. Há uma poética na grafia que pode estragar-se com demasiadas lavagens a seco. Por exemplo: no Brasil há dois diários que ostentam no título esta antiguidade: Jornal do Commercio. Com duplo M, como o genial Drummond. Datam ambos dos anos 1820 e não actualizaram o nome até hoje. Comércio vem do latim commercium e na primeira vaga simplificadora perdeu, como se sabe, um M. Nivelando por baixo, temendo talvez que o povo ignaro não conseguisse nunca escrever como a minoria culta, a língua portuguesa foi perdendo parte das suas raízes latinas.

Outras línguas, obviamente atrasadas, viraram a cara à modernização. É por isso que, hoje em dia, idiomas tão medievais quanto o inglês ou o francês consagram pharmacy e pharmacie (do grego pharmakeia e do latim pharmacïa) em lugar de farmácia; ou commerce em vez de comércio. O português tem andado, assim, satisfeito, a "limpar" acentos e consoantes espúrias. Até à lavagem de 1990, a mais recente, que permite até ao mais analfabeto dos analfabetos escrever sem nenhum medo de errar. Até porque, felicidade suprema, pode errar que ninguém nota. "É positivo para as crianças", diz o iluminado Bechara, uma das inteligências que empunha, feliz, o facho do Acordo Ortográfico.

É verdade, as crianças, como ninguém se lembrou delas? O que passarão as pobres crianças inglesas, francesas, holandesas, alemãs, italianas, espanholas, em países onde há tantas consoantes duplas, tremas e hífens? A escrever summer, bibliographie, tappezzería, damnificar, mitteleuropäischen?

Já viram o que é ter de escrever Abschnitt für sonnenschirme nas praias em vez de "zona de chapéus de sol"? Por isso é que nesses países com línguas tão complicadas (já para não falar na China, no Japão ou nas Arábias, valha-nos Deus) as crianças sofrem tanto para escrever nas línguas maternas.

Portugal, lavador-mor de grafias antigas, dá agora primazia à fonética, pois, disse-o um dia outra das inteligências pró-Acordo, "a oralidade precede a escrita". Se é assim, tirem o H a homem ou a humanidade que não faz falta nenhuma. E escrevam Oliúde quando falarem de cinema. A etimologia foi uma invenção de loucos, tornemo-nos compulsivamente fonéticos.

Mas há mais: sabem que acabou o café-da-manhã? Agora é café da manhã. Pois é, as palavras compostas por justaposição (com hífens) são outro estorvo. Por isso os "acordistas" advogam cor de rosa (sem hífens) em vez de cor-de-rosa. Mas não pensaram, ó míseros, que há rosas de várias cores? Vermelhas? Amarelas? Brancas? Até cu-de-judas deixou, para eles, de ser lugar remoto para ser o cu do próprio Judas, com caixa alta, assim mesmo. Só omens sem H podem ter inventado isto, é garantido.

Nuno Pacheco

Jornalista

 

in Público

publicado por elosclubedelisboa às 05:45
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1 comentário:
De Henrique Salles da Fonseca a 25 de Julho de 2011 às 19:43
RECEBIDO POR E-MAIL:

Eu, pessoalmente, estou-me nas tintas para o recente acordo ortográfico, e muitas vezes sinto ganas de escrever "anthropologia", por exemplo, embora não tenha aprendido isto de pequenino, mas só mais tarde quando soube que a palavra vinha do grego e que o "th" era o "θ" e não o "t".
O "H" de homem deve existir pois em latim era pronunciado.
Em todo o caso também em italiano tem havido incongruências. Assim, "homem" (latim "hominem") em ilaliano diz-se "uomo" (donde vem este "u"?), e "público" (em latim "publicum"), em italiano escreve-se "pubblico" (donde vem o segundo "b"?).
Não pensemos que o acordo ortográfico foi feito para que os ignorantes não dessem erros. Erros eles os darão sempre qualquer que seja a regra.
E demos graças a Deus por termos uma língua normal que evolui com os tempos, e não uma língua de trapos, como o inglês, que se fala de uma maneira e escreve de outra.
Há quem chame inglês antigo a uma gatafunhada totalmente incompreensível.Não foi o inglês que evoluiu, mas a língua que foi substituída: era o britónico (língua celta), abandonado e substituído pelo anglo (língua germânica), contaminado pelo saxónico e pelo escandinavo.
Demos graças a Deus: a nossa língua é antiga, perene e razoavelmente fónica.
Percamos a mania de que os estrangeiros é que têm razão e nós não.
Joaquim Reis


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