DISCURSO EM 3 DE SETEMBRO DE 1968 NA POSSE DE SÓCIO DO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO PAULO, PELO CÔNSUL-GERAL DE PORTUGAL
DR. LUÍS SOARES DE OLIVEIRA
TENDO COMO PATRONO RICARDO SEVERO
Mas não era só o edifício que os preocupava. O desenho da cidade deveria ser adequado de forma a proporcionar não só harmonia do conjunto mas também o melhor clima para a habitação do homem. Defendiam que a largura das ruas e avenidas deveria ser proporcional à altura dos prédios.
Estes estudos tiveram consequência em muitos dos edifícios que ainda hoje embelezam e dignificam São Paulo: o Teatro Municipal, jóia de harmonia e imaginação; o elegante edifício da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, tão enraizado na tradição e estima dos paulistas; a Penitenciária do Estado, com os seus pavilhões funcionalmente distribuídos; a Faculdade de Medicina, concebida
segundo princípios pedagogicamente adiantados; o Paço Municipal, hoje Secretaria da Justiça, nobre edificação que tanta dignidade empresta ao terreiro que foi berço de São Paulo, etc.
Teatro Municipal de São Paulo
O neo-barroco da época exerceu influência no estilo de Severo e Azevedo, sobretudo durante o período em que estiveram associados com Domiziano Rossi, mas nunca, de forma tão marcada como no Pavilhão de São Paulo na Exposição Nacional de 1908, estrutura caprichosa e opulenta, com cúpulas e mastaréus, arcos e colunas, arquivoltas, espirais e volutas, decorada por génios alados, efebos e musas, cornucópias, festões e grinaldas e que, apesar de tudo isto, maravilhou os estetas da época.
Mas Severo logo procura libertar-se destas influências para aderir à sua via favorita. É ele que nos diz:
«Procurei lançar a orientação tradicionalista na arquitectura brasileira. Era o mesmo princípio que dominou a campanha nas artes, nas ciências e na política iniciada no meu país pela geração que procurei englobar em torno de “Portugália”.
Uma vez aqui, em terras brasileiras, continuei a ser afirmativamente tradicionalista. Tradicionalismo não quer dizer anacronismo, passadismo, ou mesmo necronihismo. Quer dizer simplesmente o ressurgimento da tradição, que é no íntimo de cada família humana o espírito da sua génese, a sua essência vital, a alma das nacionalidades. No Brasil são naturais todas as hesitações; ainda ao sair do primeiro século da sua independência política, encontra-se cercado de influências estrangeiras poderosas e atraentes, levadas por surtos de sedutoras inspirações numa época de tumultuosas transformações no próprio mundo da arte. Entretanto, apartando-se do tradicionalismo estrangeiro e rebuscando a tradição caseira, o Brasil encontrará de certo as suas formas nacionais».
Novamente volta Ricardo Severo ao assunto nas colunas do «Estado de São Paulo» (1-4-1917), em defesa do tradicionalismo na arte brasileira. O movimento causa espanto, provoca controvérsia e como tinha acontecido na sua primeira polémica, ganha prosélitos. A «Cigarra» relatava nesse ano, com estranheza, o interesse de alguns paulistas ilustres – Dr. Washington Luís, entre eles – que partiam
para o interior do Estado à procura de «casas velhas» para estudarem o seu plano, o aparelho e a contextura dos materiais. Severo adverte os mais zelosos dos seus discípulos e previne-os contra críticos maliciosas:
«Arquitectura tradicional não quer dizer reprodução literal de fósseis arqueológicos de casas de taipas ou de pau a pique, de igrejinhas de adobo ou de sorumbáticos sobrados dos centros urbanos dantanho, sem higiene e sem aparência estética. Arte tradicional é a estilização de formas artísticas anteriores que integram o meio local, o carácter moral de um povo e o cunho da sua civilização»
São Paulo, em muitos aspectos, parece esconder a influência de Severo. Mesmo os exemplos modernos dos modelos que Ricardo Severo preconizou, evoluíram para um estilo mais ático, o que é compreensível. No entanto, no interior, a estrutura da casa respeita o seu objectivo: é feita para proporcionar um viver feliz. Nenhum exemplo será mais elucidativo em tal matéria do que o de sua própria casa, ainda hoje felizmente conservada. Sente-se por toda a parte, naquela estrutura, a predisposição para o amorável, para a fácil comunhão entre vida interior e ao ar livre. É uma casa cheia de intimidade convidativa. Conjugada com o arvoredo que a circunda, esconde-se para despontar apenas aqui e além numa sugestão de beleza. Multiplicam-se os alpendres e os pátios sombreados decorados com plantas e flores. Nas suas balaustradas e paredes, alisares de azulejo invocam os motivos sagrados e profanos do culto português. No interior, o átrio nobre com belos exemplares da arte Joanina onde sobressai um elegante balcão de talha dourada; a casa de jantar grande para que nela tenham lugar todos os que batam à porta e, enfim, o seu escritório, reflexo da personalidade de Ricardo Severo. Peça espaçosa, iluminada por amplas janelas, resguardadas do Sol por um beiral saliente, forrada de estante carregada com os tesouros da sua erudição, teto em caixões pintados a óleo e têmpera, mobília de austero conforto e, final e imprescindivelmente, decorado por um friso a azulejo reproduzindo cenas da vida do povo português no seu trabalho, nos seus cultos e nos seus folguedos. Ricardo Severo reuniu aí tudo o que amava: a sua família em retratos, o Brasil nas plantas que decoravam as janelas, os tesouros do seu saber, os objectos de arte mais gratos são seu gosto e o povo português objecto da sua saudade.
(continua)
Luís Soares de Oliveira
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