Dando muito trabalho duvidar do que nos dizem os guias turísticos, façamos de conta que aceitamos a ideia de que Curaçao vive exclusivamente do turismo e importa tudo o que consome. O nosso «faz de conta» é tão maior quanto o país nem sequer é paraíso fiscal para ninguém.
Mas é claro que tem uma comunidade emigrante relativamente grande cujas poupanças ajudam a equilibrar a balança de pagamentos e a economia paralela também lá deve ir fazer turismo gozando as delícias tropicais. Disso desconfiei quando certa vez estávamos a jantar por cima da praia do hotel e começámos a ver um avião com um enorme holofote a percorrer a zona costeira desde a capital até ao extremo oeste da ilha, ponto em que nos encontrávamos. Passou por nós umas 3 ou 4 vezes e... não li as notícias no dia seguinte e o pessoal do hotel não me soube esclarecer do que se tinha ou não passado. Continuo a acreditar que também ali não se pesque ao candeio usando aviões.
A pesca é artesanal e não vi nenhum barco com mais de 4 metros de comprimento. Mas vi atuns à caça de peixes voadores. Para quem nunca tinha visto um atum fora da lata, achei muito interessante. E vi outra coisa que nunca pensei que existisse. Um barquito com 3 homens andou a pôr uma rede de emalhar mesmo por baixo da arriba em que o meu apartamento estava alcandorado. Um dos tripulantes estava equipado com óculos e respirador para snorkling (nadar à superfície com a cara dentro de água para ver os peixes, os corais ou o mais que lá estiver), outro era o remador e o terceiro devia ser o patrão pois vi-o dar ordens. O nadador desceu calmamente do barco e pôs-se a snorklar junto da rede e a certa altura começou a bater fortemente com os braços na água. E eis que o patrão se chega junto da rede, a começa a puxar à mão para fora de água e a apanhar os peixes que acabavam de ficar presos. Foi num instante que o fundo do barquito ficou cheio de peixes aos saltos. Entretanto caiu a noite e creio que a pescaria se ficou por ali. Mais artesanal do que isto nem talvez os indígenas da Papua Nova Guiné...
À boa maneira lusa, os nossos compatriotas estão sobretudo estabelecidos com supermercados pelo que ficamos muitas vezes sem saber se os escritos estão em papiamento ou em português. «Entrada», «Fruta barata», etc. dão para que fiquemos sem saber em que língua escrevia o autor. Na certeza, porém, de que todos esses comerciantes têm hortas onde produzem uma parte dos frescos que vendem nas suas lojas. Mas devem ser mesmo hortas de pequena dimensão pois não vi nada que se pudesse assemelhar a empresas agrícolas de dimensão sequer mediana. Parece que essas hortas são a única agricultura que actualmente existe em Curaçao. O que os portugueses não produzem e querem vender, importam. Sim, parece que o comércio de víveres é quase todo nosso. Quase todo mas não todo pois há o mercado flutuante em Wllemstad, a capital, constituído por venezuelanos que produzem (ou compram) no continente os frescos que a ilha não produz. E é curioso saber que esses comerciantes-mareantes fazem a viagem pelo menos uma vez por semana num percurso que pode demorar entre 6 a 12 horas conforme o ponto da costa venezuelana a que aportam. Fiquei com motivos suficientes para desconfiar que o avião do holofote andaria à coca dum ou de vários destes venezuelanos. À conversa em surdina que um desses mareantes me fez respondi apenas «no entiendo» e pisguei-me antes que ele me quisesse explicar aquilo que eu não queria entender.
(*)
Do outro lado do estreito que acede à baía, estava impante o paquete “Europa” que despejara um milhar de turistas na cidade cujo comércio abriu apesar de nesse dia, 25 de Abril, ser feriado.
Angola, país rico, transfere o Domingo de Páscoa para a 2ª feira imediata pois é um sacrilégio fazer feriado em fim-de-semana; Curaçao, a ilha inútil que os espanhóis desprezaram, faz feriado na 2ª feira imediata à Páscoa para celebrar em estilo carnavalesco o que no Domingo celebrou canonicamente.
João Calvino ficaria muito triste e o Padre António Vieira muito contente se soubessem que 85% da população de Curaçao é católica.
E quem ensina português aos filhos dos donos dos supermercados?
Lisboa, Maio de 2011
Henrique Salles da Fonseca
O quotidiano da política e da gestão foi tomado por uma onda de palavras, um quase dialecto, nem sempre compreensível para os comuns mortais. Há quem faça gala em usar termos que nada dizem, mas que impressionam ou dissimulam a vacuidade. Já dizia Fernando Pessoa que a palavra escrita é um elemento cultural, a falada apenas social.
Eis uma amostra deste novo linguajar: proactividade, agilizar, procedimento concursal, engenharia financeira, arquitectura organizacional, geometria variável, perspectiva integracional e multifocal, temática e problemática, alocar, alavancar e assignar, empreendedorismo, customizar, efeito já descontado, em sede de, disfuncional e societal, disruptivo e resiliente, sinergias e imparidades, perspectiva de género, cidadania activa. Criar valor. Reestruturar a dívida. E claro, os inenarráveis "implementar" (que nada significa, por tudo querer dizer) e "despoletar" (que significa o contrário do que se quer dizer).
No meio deste falatório vanguardista, há ainda espaço para pleonasmos "bem-falantes" como, por exemplo, um "elo de ligação", "certeza absoluta", "outra alternativa", "comparecer pessoalmente numa comissão", ou "encarar de frente o problema".
Uf! Basta!
António Bagão Félix
CM, 2011-03-10
No âmbito da sua missão de promoção da língua e cultura portuguesas, vai o Elos Clube de Lisboa iniciar um curso de português para estrangeiros adultos (maiores de 18 anos).
A1 – 2ª e 4ª feiras
A2 – 3º e 5ª feiras
Português XXI Nível 1 de Ana Tavares, edição LIDEL (Preço: € 24,15)
Rua João de Lemos,4 – 1300-323 Lisboa
Tel: 21 362 3273
Tlm: 964.030.227. (Henrique Salles da Fonseca)
Por mera curiosidade, recordo que Peter Stuyvesant saiu de Curaçao em 1643 porque numa tentativa da conquista de St. Maartens aos espanhóis levou um tiro de canhão numa perna tendo que ir a tratamento à Holanda. Puseram-lhe uma perna de pau que ele fez revestir com placas de prata e foi já recuperado que o nomearam para a conquista de uma ilha lá mais a norte. Conquistada, chamou-lhe Nieuw Amsterdam. Nós hoje chamamos-lhe New York e à ilha propriamente dita chamamos Manhattan.
E seguiram-se outros Governadores à frente dos destinos de Curaçao até que o Padre António Vieira proferiu na Igreja da Ajuda, em Salvador da Bahia, o sermão “Polas armas de Portugal contra as de Holanda” assim provocando a Revolta Pernambucana que expulsou definitivamente os holandeses do Brasil. O Governador do Brasil Holandês, Maurício de Nassau, apanhou uma depressão de tal modo profunda que nunca dela voltou a recuperar acabando por morrer muito transtornado na sua Alemanha natal.
Por deturpação histórica, o Príncipe alemão Maurício de Nassau é por vezes apresentado como um pirata enquanto o inspirador do «pirata da perna de pau, olho de vidro e cara de mau» passa por um grande e nobre Senhor. Tresler é mais fácil do que contar a verdade. A questão está em que o Príncipe perdeu a causa por que pugnava e o coxo, perdendo uma ou outra batalha, ganhou as guerras em que se meteu.
Mas o Brasil Holandês era refúgio de muitos judeus portugueses que temeram o regresso da Inquisição pelo que decidiram acompanhar os holandeses na fuga. Rumaram a norte e se os houve que chegaram a Nieuw Amsterdam, outros houve que optaram por outra possessão holandesa, bem tropical, Curaçao. Chegaram em 1703 e ainda hoje são uma comunidade da maior relevância local. Basta referir que o banco mais conhecido se chama «Maduro and Curiel’s Bank». O apelido Maduro inspira o maior respeito e é um dos seus membros que preside à comunidade frequentadora da Sinagoga “Mikvé Israel-Emanuel” que, consagrada em 1732, é hoje a mais antiga em funcionamento ininterrupto nas Américas.
(*)
Sinagoga “Mikvé Israel-Emanuel”
Logicamente, com a chegada dos judeus portugueses, o papiamento levou um importante refrescamento da nossa língua.
E se a importância da comunidade judia tem muitos exemplos que vão neste breve texto ter que ficar no tinteiro, um há que não pode ser omitido: Moisés Frumêncio da Costa Gomes.
(**)
Moisés Frumêncio da Costa Gomes
De facto, foi este ilustre descendente de lusa gente que nos finais da década de 40 do século passado negociou com a Holanda a nova relação constitucional entre a metrópole e as chamadas Antilhas Holandesas tendo Curaçao deixado de ser uma colónia para passar a constituir uma região autónoma holandesa.
A autonomia significou que Curaçao assumiu a sua própria governação mantendo a Holanda a liderança das políticas monetária e da Justiça. Daí que a moeda seja o Florim com um câmbio que revela muita prudência.
É perante este câmbio que o visitante rapidamente se habitua a tomar em grande respeito este pequeno país.
Apeteceu-me dizer aos judeus de Curaçao que em Portugal já extinguimos a Inquisição em 1821 e que assim já podem regressar em paz. Só que quando os procurei a Sinagoga estava fechada pois no dia 25 de Abril também lá é feriado e no dia seguinte eu voaria para outras latitudes.
(continua)
Lisboa, Maio de 2011
Henrique Salles da Fonseca
(*)
Óscar Ribas, o grande e saudoso mestre, de quem tive o privilégio de ser amigo,
“Dicionário de Regionalismos Angolanos”
Ambaquista, s. m. e f. Natural da região de ambaca. Irón. O que reclama de tudo.
“Os naturais dessa região são inteligentes. Dum relatório de Artur Verdades, publicado no Boletim Oficial de 1 de Dezembro de 1906, extraímos os seguintes períodos:
“O ambaquista, para mim que o observei, é um benemérito, tem sido um desdenhado obreiro da civilização africana, embryonário quanto seja o seu estado em parte dos nossos domínios.
É elle o único missionário que à noite, por essas sanzalas, sentado ao conchego da fogueira conta, com muito phantasia é certo, aos gentios, que o rodeiam e avidamente o escutam, as façanhas dos kakis (soldados portuguezes), e quem lhes fala da grandeza, poderio e explendor de Portugal."
Duma obra que já citámos - As Colónias Portuguesas, de Ernesto e Vasconcelos - transcrevemos também os seguintes trechos, relativamente ao natural de Ambaca:
"O ambaquista, oriundo de uma região onde a acção missionária foi grande e educadora, procura assimilar-se ao branco pelo traje, e nas famílias conserva-se, em tradicção de pães para filhos, a leitura e a escripta. Esta circunstância torna-o um indivíduo superior entre as diversas tríbus, às quaes elle se impõe, captando as boas graças de todos, principalmente dos sobas, em quem impera como conselheiro privativo. É vulgar que certos sobas tenham secretário, o qual munido sempre do seu tinteiro, papel e pena, está constantemente prompto a dirigir mucandas (cartas) ao viajante que passa, ou representações à autoridade. Esse secretário é o ambaquista ladino, manhoso e sophista. Conta-se que tendo os ambaquistas de dirigir ao governo uma representação contra certa autoridade provincial, ao assignal-a se levantou a difficuldade de quem o faria, primeiro, porque nenhum queria figurar na cabeça do rol; adoptaram por isso o alvitre de inscrever as assignaturas em circunferência de círculo, solução que mostra bem a manha de que são dotados." (Castelbranco, História de Angola, p. 34/35, ed. 1932).
"O ambaquista distinguia-se à primeira vista, de qualquer outro indígena, nestas lonjuras - na época em que Ambaca ficava muito longe - pelo tinteiro de chifre e pela pena que trazia ao pescoço.
Com tais artes, cada vez mais aperfeiçoadas e divulgadas entre eles, por serem os mais próximos dos centros de influência, não tardaram em serem disputados por todos os potentados indígenas, que os tomavam como secretários de grande luzimento e prestígio - lugares que eles ocupavam como juristas, intelectuais e Cárdias Diabo.
Em menos de cem anos havia ambaquistas espalhados por todo o Norte da colónia, com a sua pena, o seu tinteiro de chifre, as suas luzes e o ascendente intelectual que lhe dava o poder de comunicarem com o branco, e com os mais que tinham as mesmas artes." (H. Galvão, Outras Terras, Outras Gentes, p. 216, vol.1 ed. 1942).
"Vou dizer uma palavra do typo clássico, extranho, genialismo, do ambaquista. É molde para durar a eternidade inteira, segundo parece. O seu gosto, ou melhor o seu vício, é deitar as unhas a uma caneta e fazer requerimentos em papel sellado, com citações phantasticas da Carta Constitucional, do Código Civil, da Novíssima Reforma Judiciaria. Se tem um envellope d'officio para fechar aquella sua prodigiosa literatura, se tem sobretudo um coto de lacre para sellar a sua peça, para lhe dar a imponência e a consagração que resulta de um timbre, ah! como elle é feliz! O ambaquista compõe os seus trechos de uma maneira absolutamente impossível de definir; é capaz de citar, a propósito de qualquer coisa, a carta orgânica das províncias ultramarinas, os governadores geraes d'Angola, os reis do Congo, a corte do céo, trovoadas, inundações e campanhas. No entanto, atravez d'esses despejos incontinentes, d'essas ejaculações tumultuarias do pensamento, adivinha-se quasi sempre o que quer dizer o auctor na sua estylistica. Ao mesmo tempo o ambaquista é um bohemio; encontra-se em toda a parte, a reler pedaços velhos de jornaes ou folhas avulsas de qualquer livro, a dar sentenças, a escrever coisas, a secretariar os sobas, enfim, a ocupar-se dos destinos dos povos." (D. J. E. de L.Vidal, Por Terras d'Angola, p. 20, ed. 1916).
Rio de Janeiro, 18/04/2011
Francisco Gomes de Amorim
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos, 15-1-1928
(*)
Por ocasião da sua Canonização, em Roma, pelo Papa Bento XVI
Todos os dias se cumpre Portugal,
Desde um sonho cristão, também guerreiro,
Na cruz que nos levou ao mundo inteiro
A Língua Portuguesa é Universal,
Une o Ocidental Mundo ao Oriental,
Dos Oceanos fez só um verdadeiro,
No Mar o Português foi sempre primeiro
E na Terra sempre tentou ser celestial!
Fez o grande percurso à sua maneira,
Heróis houve que ficaram na História,
Guerreiros, Santos, Poetas e a Padeira
De Aljubarrota traz viva memória
Do Santo Guerreiro Álvares Pereira,
Cumpriu Portugal – Filho da Vitória!
Lisboa, 26 de Abril de 2009
José Custódio Madaleno Geraldo
(**)
Bon Bini Curaçao = Bem-vindo a Curaçao
A cerca de 40 quilómetros ao largo da Venezuela, Curaçao parece uma banana com um pouco mais de 60 kms de comprimento, uma largura que varia entre os 3 e os 14 kms e é habitada por cerca de 100 mil pessoas. O respeito que inspira não resulta, pois, da dimensão física.
A tez popular varia entre o negro mais negro que os trópicos alguma vez imaginaram e o café com leite claro. Totalmente escolarizados, os naturais (curacenses?) falam e escrevem quatro línguas (papiamento, holandês, inglês e espanhol) mas têm o papiamento como língua materna. E o que é esta língua? É um crioulo de português salpicado de espanhol e de outras influências nem sempre bem identificadas mas que se diz serem africanas. Nós, portugueses, percebemos praticamente metade das frases e o resto lá vamos tirando pelo sentido da conversa. O facto de a dicção ser especialmente meticulosa facilita a compreensão. Quando não percebemos, lá vem o inglês ou o espanhol. Holandês, vou aprender na próxima encarnação.
Como é que tal realidade acontece num país que nunca foi colónia portuguesa?
A História de Curaçao começa no ano de 1499 com a chegada dos espanhóis; antes disso era a pré-história pois os habitantes que lá existiam – índios oriundos do continente ali mesmo em frente – não deviam conhecer a escrita. Ou seja, não tendo até hoje sido identificados traços desse povo que pudessem ser assemelhados a escrita, presumimos que a não conhecessem e, portanto, apelidamos a sua como sendo pré-história.
Chegados os espanhóis, logo começaram à procura de oiro mas...
O domínio espanhol manteve-se durante todo o século XVI, período durante o qual os indígenas foram transferidos para a ilha Hispaniola (actual Ilha de S. Domingos onde se localizam a República Dominicana e o Haiti) ficando Curaçao a servir de ponte para a exploração e conquista dos territórios no norte da América do Sul.
Mas como não foi encontrado oiro e a água potável era quase inexistente, à medida que avançava a colonização do continente a ilha foi perdendo importância para os interesses espanhóis, foi considerada inútil e abandonada progressivamente.
Foi com a saída dos espanhóis que começaram a aparecer outros cobiçosos e não tardou muito para que os piratas franceses, ingleses e holandeses começassem a defrontar-se para se servirem das diversas baías que a ilha tem para refúgio nos intervalos das intensas actividades que já então desenvolviam em todo o Mar das Caraíbas. E dos confrontos entre piratas foi rápida a passagem para o confronto entre as Armadas dessas três potências o que, diga-se em abono da verdade, pouca diferença fazia. Na realidade, o que distinguia os piratas dos almirantes era que estes custavam dinheiro às respectivas Coroas enquanto que os bucaneiros se auto financiavam e lá iam dando parte dos lucros apurados aos seus Senhores para lhes ganharem as graças. Apesar desta diferença não despicienda, entraram as Armadas em acção e acabou vitorioso em 1621 o almirante holandês Johan van Walbeeck que em 1634 formalizou a entrada da ilha na posse da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais, o mesmo é dizer na posse do Príncipe de Orange, ou seja, o Rei da Holanda.
Em 1642, Peter Stuyvesant foi nomeado governador e Curaçao tornou-se num verdadeiro centro comercial holandês desenvolvendo intensas actividades esclavagistas sobretudo na extracção de sal.
(*)
Salinas em Curaçao
A mão-de-obra escrava foi abundantemente fornecida por comerciantes portugueses os quais recrutavam também os capatazes que administravam o trabalho desenvolvido nas salinas. Ou seja, eram portugueses que lidavam com os escravos e era em português que as ordens eram dadas.
Eis como um território que nunca foi português, tem uma língua oficial que nós entendemos com alguma facilidade. Mais: os próprios curacenses (será assim que se diz?) entendem português desde que falemos pausadamente, sem erudições pretensiosas e, sobretudo, com dicção clara.
Como havemos de fazer para lhes darmos algum enquadramento lusíada?
Lisboa, Maio de 2011
Henrique Salles da Fonseca
(*)
Caros Companheiros e Amigos:
Após visita a Curaçao, Antilhas Holandesas, regressei a Lisboa.
Vou de imediato retomar a publicação.
A razão a que se deve esta interrupção tem a ver com a decisão que a minha mulher e eu tomámos - depois de termos perdido uma mala - de passarmos a viajar apenas com bagagem de mão. Ou seja, o computador portátil também esteve de férias.
Espero que os Leitores e os Autores não levem esta interrupção muito a mal pois «guardado está o bocado para quem o há-de comer».
Continuemos...
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