Sábado, 26 de Fevereiro de 2011

DEFESA DO PORTUGUÊS NA UNIÃO EUROPEIA

(*)

 

Declaração política do CDS no plenário da Assembleia da República,

24 de Fevereiro de 2011

 

Senhor Presidente;

 

Senhoras e Senhores Deputados:

 

(…)

 

Está em curso, no regime europeu de patentes, uma manobra que abala fortemente a credibilidade e o peso do português como língua internacional, ao arrepio dos discursos e esforços dos últimos anos. E esta pura traição ao português como língua da Europa – a terceira língua europeia global – tem não só o endosso, mas a furtiva cumplicidade, senão o agenciamento, do governo Sócrates. E lesa também interesses próprios da economia nacional, conduzindo, no sector da propriedade industrial, a mais desemprego, à quebra de actividade de empresas e profissionais e à perda de milhões de Euros de exportação de serviços por ano.

 

O pior de tudo é que, em todo este processo de redução do português a uma língua de segunda ou terceira classe, o governo tem agido contra o Direito e – pior! - fugindo, por sistema, ao debate na Assembleia da República.

 

É possível que o governo tenha medo ou vergonha. No CDS, compreendemos bem que o governo tenha medo da forte censura pelo que está a fazer e vergonha de toda a gente se aperceber de como deserta do dever de defender a nossa língua e a nossa economia. Mas medo e vergonha que sejam, não há o direito de o governo bloquear a transparência, recusar a troca aberta de pontos de vista e impedir a Assembleia da República de poder defender o interesse nacional.

 

A matéria prende-se em substância, embora seja formalmente distinta, com outra que há poucos meses aflorou: a adesão ao Acordo de Londres no âmbito da Convenção de Munique, que regula a patente europeia. Já aí, o governo faltara à palavra e fugira ao Parlamento. Em Maio de 2010, o governo comprometera-se a só avançar com a questão através de uma proposta de Resolução da Assembleia da República. Nada disso! Em fim de Outubro, aprovou um Decreto, enviado directamente para assinatura do Presidente da República. E foi uma proposta de Resolução do CDS (309/XI/2ª) a travar esse abuso. Alertado, o Presidente da República mandou o Decreto para trás e o governo deu indicação de que voltaria ao tema só na Assembleia da República.

 

(…) Nada disso! O governo escolheu a acção clandestina. E, sabemo-lo agora, para agir contra o interesse de Portugal e dos portugueses, abandonados nos corredores de Bruxelas.

 

Do que se trata é de, contra o multilinguismo europeu, excluir a língua portuguesa do regime de patentes e impor um estatuto discriminatório, de privilégio, para apenas três línguas: o inglês, o francês e o alemão. Sob o embalo enganador dos custos e da simplificação foi paradoxalmente afastada a opção por um regime de “English only” e está a ser imposta, com a participação activa do nosso governo, um regime que lesa gravemente os nossos direitos e os nossos interesses. O CDS reagiu com nova proposta de Resolução (374/XI/2ª). Mas nem isto serviu para chamar o governo ao seu dever de transparência.

 

Nos termos da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, “o Governo deve manter informada, em tempo útil, a Assembleia da República sobre os assuntos e posições a debater nas instituições europeias, bem como sobre as propostas em discussão e as negociações em curso, enviando, logo que sejam apresentados ou submetidos ao Conselho, toda a documentação relevante, designadamente (…) propostas de actos vinculativos e não vinculativos a adoptar pelas instituições da União Europeia” (artigo 5º, nº 1, alínea b) da Lei n.º 43/2006, de 25 de Agosto).

 

O governo violou sucessivas vezes este seu dever, geral e específico, de informação à Assembleia da República. (…)

 

A manobra é, aliás, descarada. De forma claramente prematura (apenas cinco meses depois de a proposta de Regulamento que lhe deu causa próxima ter sido introduzida e sem o Parlamento Europeu ter apreciado o assunto, como o Tratado exige), alguns Estados-membros indicaram, a 10 de Dezembro, querer avançar para uma “cooperação reforçada”. Logo a 14 de Dezembro, a Comissão apresenta a proposta. O Parlamento Europeu designa relator a 15 de Dezembro. A Comissão de Assuntos Jurídicos despacha o assunto a 20 e 27 de Janeiro. E a manobra acaba de passar, na última semana, no plenário do Parlamento Europeu, onde só CDS e PCP votaram contra ela.

 

Sobre tudo isto, o governo diz nada. E furta a matéria ao parlamento e aos portugueses. Pior ainda: o último acto está previsto para o Conselho de Competitividade no próximo dia 10 de Março. Mas, de surpresa, a 14 de Fevereiro, na manhã do debate no Parlamento Europeu, o Conselho, aproveitando uma reunião da sua formação de Educação, Juventude, Cultura e Desporto, inventou uma votação nesta matéria das patentes para cercar politicamente o Parlamento e isolar Espanha e Itália, que resistem e se batem. A ministra Alçada e o ministro Gago foram, assim, já, nessa reunião de segredo, os agentes concretos da entrega do português no altar das três línguas. E o governo publicamente ou nesta Assembleia, disse nada. Uma vergonha!

 

Como realçam pareceres de Freitas do Amaral e Gomes Canotilho, a cedência portuguesa nesta matéria pode representar mesmo uma directa violação da Constituição, sobretudo do artigo 9º, alínea f), que inscreve, entre as “tarefas fundamentais do Estado”, a de “defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”. E, segundo Canotilho, também de outros preceitos: o de ser uma das “incumbências prioritárias do Estado”, “desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país” – artigo 81º, alínea g); o de estar nas “tarefas fundamentais do Estado”, o dever de “promover (…) a (…) modernização das estruturas económicas e sociais” – artigo 9º, alínea d); o próprio artigo 2º, que define que “a República Portuguesa é um Estado de direito democrático”.

 

Mas o governo Sócrates não cuida disto. Nem quer saber.

 

O Tratado de Lisboa inscreveu, nesta matéria, uma preciosa garantia, nova: o regime linguístico das patentes deve ser aprovado por unanimidade – artigo 118º TFUE. Mas o governo português, ao alinhar pela cooperação reforçada, deita fora a garantia nacional e rasga o nosso ás de trunfo. Sem nos dizer nada.

 

É, aliás, duvidoso e fortemente contestável que haja base jurídica apropriada para a cooperação reforçada. Desde logo, porque não é facilmente sustentável que ela fosse o “último recurso”, como exige o artigo 20º, nº 2 TUE. E, por outro lado, é arguível que esta cooperação reforçada violará não só um, mas todos e cada um dos requisitos exigidos pelo artigo 326º TFUE: porque desrespeita os Tratados e também direito derivado da União; porque prejudica o mercado interno; porque prejudica a coesão económica e territorial; porque introduz um novo factor de discriminação ao comércio entre os Estados-membro; e porque provoca distorções de concorrência entre os Estados-membro.

 

Mas nem assim, nem com possibilidade de argumentos jurídicos tão fortes, o governo Sócrates se bate. Antes verga-se… e cala-se. E quis calar-nos!

 

Uma vergonha! Estamos diante de uma falta muito grave perante este Parlamento. Portugal merece ser melhor defendido. A língua portuguesa não pode ser assim desbaratada. Os nossos direitos não podem ser atropelados. A nossa economia não pode ser tão mal servida. A democracia não pode ser evitada e defraudada.

 

 

José Ribeiro e Castro

Deputado

 

(*)http://www.google.pt/imgres?imgurl=https://1.bp.blogspot.com/_putctbAWBgo/TQGQbBZCQ3I/AAAAAAAAApE/QchKfOP_Di4/s1600/assembleia_da_republica.jpg&imgrefurl=http://acartaagarcia.blogspot.com/2010/12/premio-direitos-humanos-na-assembleia.html&usg=__vzr0JqbF-ZkY4ITIF1Xl-MACs7o=&h=598&w=800&sz=50&hl=pt-pt&start=0&zoom=1&tbnid=kyIYC2qJPRPdsM:&tbnh=159&tbnw=192&ei=wUZoTeHvFY6GswaW5b3tDA&prev=/images%3Fq%3DAssembleia%252Bda%252BRep%25C3%25BAblica%26um%3D1%26hl%3Dpt-pt%26sa%3DN%26biw%3D1007%26bih%3D681%26tbs%3Disch:1&um=1&itbs=1&iact=rc&oei=wUZoTeHvFY6GswaW5b3tDA&page=1&ndsp=12&ved=1t:429,r:0,s:0&tx=111&ty=88

publicado por elosclubedelisboa às 00:09
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1 comentário:
De Adriano Lima a 26 de Fevereiro de 2011 às 14:26
Concordo que nos assiste o dever de lutar pela dignificação da nossa língua e de lhe reclamar o lugar que merece nos fóruns internacionais, que é o que decorre desta intervenção do deputado do CDS.
Uma coisa que me causa indignação, por exemplo, é ver portugueses a fazer um uso exagerado de anglicismos e galicismos, mas sobretudo os primeiros, que os galicismos remontam a épocas mais recuadas. Nunca consegui entender o que leva alguém a utilizar constantemente esse recurso para exprimir uma ideia ou um pensamento, quando a língua materna tem soluções para tudo, exceptuando um ou outro termo do actual jargão informático, mas que, a seu tempo, mesmo aí, podemos e devemos arranjar traduções que nos facultem os seus sucedâneos na nossa língua.
Mas ainda ontem, li uma notícia num dos nossos diários que dizia que numa das faculdades de uma universidade nossa as aulas eram ministradas em inglês. É claro que a internacionalização das relações na economia,nas ciências, nas transacções e em demais aspectos da vida de um mundo cada vez mais global, tende a uma certa uniformização da linguagem, aí predominando o uso do inglês. Compreende-se que, num mundo poliglota, a adopção de uma única língua comunicacional facilita os contactos, as relações e as transacções. Mas acho que temos de resistir e nunca perder de vista que o português é falado por mais de 240 milhões de seres humanos, sendo a 4ª língua do mundo. Como não ter em consideração esta realidade? Com o que não nos podemos conformar é ver que alguém quer pôr o francês e o alemão à frente da nossa língua na União Europeia.
Para mais, a nossa língua é de uma beleza irresistível. Quanto a mim, mais que o castelhano.
A única coisa que me desgosta neste discurso do deputado do CDS é vê-lo utilizar a questão da nossa língua como arma de arremesso político. É crível que apenas o Governo se desinteressa pela defesa do prestígio da nossa língua? São rigorosamente correctos os argumentos do deputado ou, mais uma vez, estamos perante mais um caso de hiperbolização argumentária, apenas com o único fito de execrar e desgastar quem governa? Infelizmente, esta tem sido a nossa sina. Invertendo os actores da cena política, o espectáculo vai continuar. É pena!


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